Foi uma ilha dos Açores a última parte de Portugal a deixar de o ser durante a ocupação filipina, e também a primeira que dela se libertou.
Ilhas de liberdade, foi dos Açores que partiu a Armada Liberal levando, como soldados, Almeida Garrett e Alexandre Herculano.
Ilhas de Portugal, os Açores são a expressão mais alta da nossa atlanticidade que, segundo Jaime Cortesão, é a essência da alma nacional e da nossa própria identidade.
Atlanticidade que é também o traço decisivo da nossa singularidade como país europeu. É ela que marca a diferença de Portugal na União Europeia e nos permite continuar a ser uma ponte entre o velho mundo e o novo, processo esse em que a Região Autónoma dos Açores, como se viu, recentemente, na renegociação do Acordo das Lages, desempenha um papel de capital importância.
Terra de Antero de Quental, um dos maiores poetas portugueses de sempre, homem de pensamento e de acção, e um dos fundadores do primeiro socialismo português.
Num tempo em que se questiona a qualidade da nossa democracia, para cuja renovação e revitalização venho alertando há vários anos, vale a pena recordar a actualidade e modernidade de Antero.
Actualidade do seu conceito de democracia: "É a igualdade económica e social tendo por instrumento a liberdade política".
Actualidade da ideia de tolerância: "Não pretendemos impor opiniões, vimos simplesmente expor as nossas; não pedimos adesão, pedimos apenas discussão."
Actualidade e modernidade de Antero, quando nos alerta para os riscos da indiferença em política: "Um dos piores sintomas de desorganização social que num povo livre se pode manifestar é a indiferença da parte dos governados para o que diz respeito aos homens e às cousas do governo. Um povo de dormentes só no cemitério se encontrará."
Actualidade e modernidade de Antero quando nos adverte para o perigo dessa doença chamada atonia: "No mundo político manifesta-se pelo abatimento de todos os centros locais, pelo desaparecimento de qualquer iniciativa independente da direcção oficial, pela substituição de um mecanismo superficial e mesquinho à bela e rica manifestação espontânea das forças livres e originais, pelo arrefecimento, pelo empobrecimento da vida nacional, em proveito de uma coisa falsa, artificiosa e estéril, a centralização."
Modernidade e actualidade de Antero quando a si e aos seus deste modo se define: "Como homens de acção a nossa divisa é esta: crítica e reforma das instituições, paz e tolerância aos homens."
Eis aqui alguns tópicos que continuam a ser uma inspiração para a renovação da nossa vida política.
E eis as razões por que escolhi Ponta Delgada para, no uso de um direito constitucional, apresentar formalmente a minha candidatura à Presidência da República.
Homenagem à autonomia, sinónimo de liberdade, democracia, desenvolvimento e justiça social. Autonomia cujo aprofundamento e aperfeiçoamento reforçam a especificidade do povo açoriano como parte integrante da identidade nacional portuguesa e o insubstituível contributo da Região Autónoma dos Açores para o fortalecimento da unidade da República.
Sou republicano e socialista. Não renego a minha família política de origem. Na pessoa de Carlos César, grande referência dos Açores, do PS e da República, saúdo todos os socialistas e democratas açorianos. Saúdo os representantes aqui presentes do Movimento de Intervenção e Cidadania, do Bloco de Esquerda, da Renovação Comunista e do Partido Democrático do Atlântico.
Saúdo todos os cidadãos e cidadãs independentes que, através de múltiplas formas, têm impulsionado o movimento que está na origem desta candidatura.
Nas pessoas do Presidente Almeida Santos e do Secretário Geral José Sócrates, saúdo o meu partido, o Partido Socialista.
Saúdo igualmente todas as forças de esquerda, todos os democratas, de todos os quadrantes, que desejam um Presidente que seja uma alternativa, não de governo, mas de atitude, de pensamento, de uma outra visão de Portugal e do mundo. Uma alternativa cultural, cívica e ideológica que se projecte no estado geral do país. Um Presidente é mais que um espectador atento, mais que um garante institucional. Um Presidente é, deve ser, o intérprete e o representante da Nação no seu todo.
Esta campanha será o que quiserem os homens e as mulheres, cidadãos do meu país que nada desejam para si, mas que pelo seu trabalho voluntário sabem que podem contribuir para mudar a política e construir uma nova esperança. A participação cívica é condição da renovação e revitalização da democracia. A todos, homens e mulheres que são a força e a alma de Portugal, a todos, sobretudo aos jovens, humildemente me dirijo, para que cada um, na medida das suas possibilidades, faça desta campanha uma campanha diferente que seja já, em si mesma, um sinal de mudança e de renovação.
Sei que ao Presidente não compete governar. Critiquei, desde o início, o conceito de cooperação estratégica, que tem implícita a ideia de uma partilha de governação e, por isso, é susceptível de gerar conflitos institucionais.
Ao Presidente, para além de garante da estabilidade política e do regular funcionamento das instituições, compete também ser o intérprete da Nação e o mobilizador das energias do país. É esse o significado da eleição directa do Presidente da República. E é desse impulso que Portugal precisa, num período de crise e desalento, em que é urgente despertar a alma nacional. Portugal precisa de se reidentificar e reconciliar com a sua matriz de povo multi-secular, solidário, empreendedor. Portugal sempre foi um país de combates e desafios. Não é da nossa matriz virar a cara. Eu confio nos portugueses e acredito na minha Pátria.
Tenho consciência de que apresento a minha candidatura num momento de grave crise nacional agravada por um ataque especulativo contra o nosso país e contra o euro. Trata-se de uma crise que, para além de causas estruturais próprias, é inseparável de problemas nunca resolvidos no seio da União Europeia, nomeadamente a ausência de coordenação de políticas económicas como complemento necessário da união monetária. É evidente a desorientação e a falta de capacidade da União Europeia para responder a uma crise desta natureza. É com tristeza que o digo. É óbvio que o movimento especulativo que visa agora Portugal faz parte de uma acção organizada contra o euro. É difícil compreender como é que a União Europeia foi capaz de reagir tão rapidamente para salvar o sistema bancário e agora hesita em acudir aos países mais vulneráveis que estão a ser alvo de ataques especulativos dentro da própria Europa.
É a hora de uma reflexão no sentido de saber se a União Europeia é ou não capaz de pôr em prática políticas de coordenação económica, de estabilização financeira e outras susceptíveis de impedir que os países da zona euro venham mais cedo ou mais tarde a pagar um duro preço pelas omissões actuais. Mais do que um projecto monetarista, a Europa tem de ser um projecto político, um projecto de sociedade e um projecto de civilização. E sobretudo um projecto de solidariedade entre iguais.
Seja como for, Portugal está confrontado com uma situação muito crítica.
Hora de responsabilidade, de verdade e de solidariedade. Hora, também, para, no quadro das dificuldades existentes, tudo fazer para preservar o Estado Social. O país tem de ser mobilizado. Mas só o será se compreender o sentido das medidas e dos sacrifícios que lhe são pedidos. E por isso, além de rigor e austeridade, é necessária uma grande exigência ética. Contra os predadores do mercado, a única resposta tem de ser a mobilização geral para uma estratégia de crescimento económico. Sem abdicar do papel do Estado, quer no investimento público susceptível de estimular a economia e o emprego, quer no combate às desigualdades salariais e na adopção de políticas de uma mais justa redistribuição de rendimentos.
Os portugueses saberão corresponder. Com uma condição: não pode haver sacrifícios para quase todos e benefícios apenas para alguns. Mais do que nunca seria necessário promover um plano concertado entre Governo, partidos políticos e parceiros sociais. Sem apagar as diferenças e as divergências, há que realizar esforços no sentido de se tentar a máxima convergência para defender o interesse nacional, de modo a que se possa enfrentar a crise sem pôr em causa os direitos sociais dos cidadãos, sobretudo dos mais fracos e desprotegidos.
A opção pelo investimento público, que não se resume, como se pretende fazer crer, às grandes obras públicas, mas tem vindo a ser realizado nomeadamente na construção de escolas e hospitais, não pode estar a ser posta em causa por sucessivas intervenções susceptíveis de leituras políticas contrárias à solidariedade e à coesão institucional.
Em momentos de crise a obrigação dos responsáveis políticos é não entrar em pânico. E o papel do Presidente da República deverá ser o de promover a concertação.
Reafirmo o carácter supra partidário da minha candidatura. De acordo com o espírito da Constituição, trata-se de uma decisão pessoal.
Candidatura supra partidária, mas não neutra.
Os portugueses podem orgulhar-se da actual Constituição da República, que é uma Constituição democrática e uma das mais avançadas da Europa. Uma Constituição que tem permitido as mais variadas soluções de governo, de direita e de esquerda, com maioria relativa ou absoluta, de um só partido ou de coligações. A Constituição nunca foi nem é um obstáculo à governação de Portugal.
Não serei neutro, como nunca fui, na defesa dos valores e princípios consagrados na Constituição da República. Não só dos direitos, liberdades e garantias de todos os cidadãos, contra qualquer forma de descriminação, mas também dos direitos sociais que nela estão consagrados. Esta é uma questão essencial dos próximos combates políticos. É preciso saber de que lado se está. Eu estou pelo Estado Social contra a tentativa de o substituir por um estado mínimo.
Não serei neutro na defesa de uma Escola Pública exigente e de qualidade.
Não serei neutro na defesa do Serviço Nacional de Saúde.
Não serei neutro na defesa do Sistema Público de Segurança Social.
Não serei neutro na luta pela decência da democracia e pela transparência da vida pública, contra o clima de permanente insinuação e suspeição que mina a confiança dos cidadãos.
Não serei neutro relativamente à necessidade de a Justiça reassumir com autoridade e prestígio o seu papel de pilar essencial do funcionamento do estado de Direito.
Não serei neutro na defesa do papel insubstituível das Forças Armadas e no apoio aos militares portugueses empenhados em missões decorrentes dos compromissos internacionais do nosso país.
Não serei neutro na valorização da História, da Cultura e da Língua portuguesa e na defesa dos interesses e valores permanentes de Portugal.
Há quem me pergunte por que motivo me recandidato. Faço-o pela convicção de que Portugal precisa. Mas faço-o sobretudo a pensar nas gerações mais novas, frequentemente acusadas de desinteresse pela política. Aos seus ouvidos chegam os ecos das críticas feitas aos políticos e a uma política que muitas vezes nada lhes diz.
Mas às novas gerações digo também, sem qualquer paternalismo, que se deve fazer justiça aos que travaram os combates cujo denominador comum foi a causa da liberdade. Houve uma geração que lutou pelas liberdades públicas que permitem uma cultura criativa, pela liberdade de pensamento que propicia uma investigação científica independente e pela liberdade que respeita, nas mentalidades e nos comportamentos, as escolhas de vida, nomeadamente as sexuais. Uma geração que lutou pela liberdade dos povos colonizados, porque, como então se dizia, a independência está para os povos como a liberdade está para os indivíduos.
Não temos que nos arrepender nem vangloriar. Fizemos o que devíamos fazer. E nem sempre fizemos bem. E muitas vezes ficámos aquém do que podia e devia ter sido.
Mas não podemos conformar-nos. Não são as velhas gerações que podem renovar a democracia e o país. E por isso pergunto às novas gerações: o que desejam construir? Quais as vossas causas? Não sou eu que vou responder. O motivo por que esta candidatura vale a pena não tem somente a ver com o que vou fazer como Presidente, mas sobretudo com o que as novas gerações podem fazer para renovar a política e para mudar Portugal.
Sei que muitos políticos têm o hábito de se dirigir aos jovens em períodos eleitorais para que se mobilizem e façam número nos comícios. Não é esse o meu intuito, nem é o meu estilo. Tenho uma vida longa, já sou avô, o que quero é ouvir os mais novos para sentir as suas causas escondidas, os seus sonhos adiados, as suas ambições. E também as suas queixas, as suas revoltas, os seus sentimentos. Quero aprender com os mais novos coisas e causas novas, ideias e projectos. Digo isto porque a função do Presidente da República é assegurar a coesão, não só a coesão social (tão necessária), não apenas a coesão territorial (igualmente indispensável), mas também a coesão inter-geracional.
Sou mais velho, é certo. Mas como lutador, desculpem lá, não há ninguém tão novo ou mais novo do que eu.
E por isso pergunto: como vamos ultrapassar a precariedade das vossas condições de trabalho? Como vão as novas gerações construir uma sociedade onde o trabalho digno seja um direito de todos, fonte de realização pessoal, contributo para o bem da comunidade, exercício de responsabilidade profissional? Como vamos manter viva a nossa legítima ambição de vencer, sendo competitivos e capazes do melhor, mas sem cairmos nos excessos da competição que nos impede a solidariedade e nos leva a esquecer os mais fracos e os mais fragilizados?
Por tudo isso dirijo daqui um apelo para que as novas gerações façam ouvir a sua voz, para que se reencontrem com as suas causas, para que mostrem o que pretendem construir e não privem o país do seu contributo decisivo. Por vezes parece que nos comprazemos em nos subestimarmos como povo, como se estivéssemos condenados à decadência. Portugal é um dos mais velhos países da Europa. Mas pode voltar a ser um país novo e de vanguarda, se as novas gerações forem capazes de partir para novos sonhos e novas descobertas.
A nossa aposta é o vosso futuro, o vosso emprego, o vosso primeiro emprego, a vossa realização, o vosso bem estar. E por isso vos digo: assumam o vosso destino, ousem romper e propor, ousem combater pelos vossos direitos e pelo vosso lugar no vosso país.
Está nas mãos das novas gerações, mas também das mais velhas, um novo idealismo democrático e um novo patriotismo.
E por isso termino dizendo-vos: quero ser mais do que o vosso Presidente, quero ser o vosso aliado e o vosso companheiro de viagem.
Pela renovação da política e da democracia.
Viva a República.
Viva Portugal.
Sem comentários:
Enviar um comentário