A propósito do meu último “post” desafiou-me o Manuel Henriques a pronunciar-me sobre o escândalo.
Supondo que se referia ao chamado “face oculta”, é impossível considerar um escândalo pois eu vejo, no mínimo, dois e assim sendo qualquer comentário que eu faça tem que se referir a:
- Corrupção, nomeações para cargos públicos e postura dos nomeados;
- Direito ao bom nome, e reserva sobre a vida privada especialmente tratando-se de personalidades que desempenham os 3 mais altos cargos públicos;
- Segredo de justiça, sua ausência e abusos de jornalismo e de fontes não identificadas para a produção de “notícias”.
Comecemos pelo princípio:
A corrupção é por definição a compra de uma posição de poder. Apesar de em muitas sociedades se fazer crer que esta acção é aceitável (como por exemplo nos EUA), os princípios que norteiam a sociedade democrática e o estado de direito não são consentâneos com este tipo de procedimentos.
Em Portugal a corrupção, grande ou pequena, existe em todos os campos e desde sempre. Corrompe-se para tirar a carta de condução, para arranjar emprego, para não pagar uma multa, para conseguir um licenciamento e, também, para ter acesso privilegiado a negócios ou mesmo para enriquecer.
O curioso é que o pequeno corrupto é um feroz crítico do grande corrupto assim como o corrompido coloca (ou tenta colocar) o ónus no corruptor que, por sua vez faz o mesmo em relação àquele. Vemos facilmente o cisco nos olhos dos mas não vemos as trancas nos nossos olhos.
Além do problema de princípio e de podridão da nossa sociedade, este estado de coisas leva à sensação de total impunidade dos actores da corrupção e leva esses mesmos actores a traficarem influencias em todos e quaisquer negócios seja eles públicos ou privados.
No caso concreto, “face oculta” (infelizmente ligado às minhas duas terras Canas de Senhorim e Ovar, pela localização geográfica da O2) o caso é muito mais grave porque envolve o “roubo” descarado de bens de empresas (públicas e privadas) com a suposta conivência de pessoas que foram titulares de altos cargos políticos e de gestores que foram nomeados pelo estado.
Passemos para a questão do bom nome e da reserva da vida privada.
Temos a tendência para a telenovelização da vida política e social e com isso (por isso) tornamos em facto qualquer suspeita, mais ou menos fundamentada, sobre qualquer figura pública esquecendo o direito ao bom nome e à presunção de inocência. José Sócrates tem sido um alvo sistemático muito pelas invejas de uma sociedade que não lhe perdoa ter tirado um curso numa Universidade de pouco prestígio e, alegadamente, com diversas facilidades. Interessando pouco se estuda dossiers, se é competente, se é trabalhador. O que é realmente importante é que não pertence à nomenclatura e que por isso podemos atacá-lo.
Outro ponto extremamente importante refere-se à reserva da vida privada. Um presidente, um ministro, um juiz e todos nós, temos direito a ter os nossos amigos e a falar com eles, não sendo lícito utilizar a vida privada para condicionar a função pública. Este tipo de actuação caracterizou o estado novo e a PIDE durante muitos anos mas, os que hoje escrevem não sabem nem querem saber.
Explicando, qualquer dos titulares de cargos públicos que referi pode discutir e emitir opinião (qualquer que ela seja) numa roda de amigos sobre temas publicitados na comunicação social, não podendo isso ser confundido com conhecimentos formais e oficiais que tenham sido adquiridos no exercício das funções públicas que desempenham, logo essas opiniões não podem nem devem ser alvo de escutas ou ser utilizadas para atacar/justificar acções enquanto titulares dos referidos cargos.
Finalmente o segredo de justiça e seu tratamento por juízes, ministério público, advogados e, muito especialmente, jornalistas.
Como dizia hoje o antigo presidente, Mário Soares, o que me preocupa é face oculta da justiça. Como se vê, a lei para nada serve pois se não nos convém que seja o presidente do supremo ou o procurador geral a decidir, rebatemos as suas decisões com posições de pretensos juristas, ou com as decisões de procuradores regionais, ou juízes de tribunais de círculo. Transpondo para uma fábrica, quando não nos agrada a decisão do director, do engenheiro, do técnico ou do patrão vamos pedir a opinião do operário menos qualificado e com isso tentamos justificarmo-nos. Já passei por isso e já tive que lidar com este tipo de caciques em tudo iguais aos jornalistas da nossa praça (e de outras).
Não foi para isto que se fez Abril!
Enquanto não tivermos uma “classe de jornalistas com classe” enterraremos a nossa democracia um bocadinho todos os dias.
Para terminar, se eu fosse Sócrates exigia do Supremo e da Procuradoria a divulgação de todas as escutas e a seguir batia com a porta.